Islao e mundo cristao

Há um quarto e século era a guerra do Golfo, mas depois veio a guerra no Kosovo e antes havia já sido o conflito dos Balcãs, sem falarmos, é claro, da Indonésia, das Filipinas, da Argélia e do epicentro palestino. Por todo o lado, o mesmo sussurro, a mesma palavra: o Islão. Após o breve período de relativo optimismo que ocupou os anos noventa do século passado (com o fim da guerra-fria, algum desafogo económico pós-1993 e sobretudo com o advento das euforias da globalização e da tecnologia), o 11 de Setembro de 2001 surgiu como uma ruptura que veio anunciar uma nova era. Mas que época nova era - e é - essa? Ao silêncio criado pela pergunta, apetece sugerir uma outra: que caminhos encontrar para harmonizar as iniquidades do globo com a globalização e com a tradição democrática ocidental? No meio de tais questões chave, às vezes sem respostas plausíveis e seguras, o Islão volta a ser um mistério para o homem comum do ocidente. E, no Islão profundo, o ocidente volta a ser, como sempre foi, um mistério para o homem comum. Dois mundos virados de costas, ignorando-se mutuamente e recusando sistematicamente escutar o outro? É como se todo este vaivém de perguntas e respostas estivesse a girar sobre si próprio e a deslizar num tempo em que o hibridismo de culturas tende a tornar-se símbolo do futuro ainda desconhecido. Mas é igualmente neste tempo de circularidades sem fim, de redes mundializadas e de redundâncias que, muitas vezes, não apetece sequer pensar e, então... como se torna fácil gritar bem alto mil e uma palavras de ordem imediatistas, cómodas e ilusórias! Este livro tem como objectivo estabelecer um conjunto de relações entre aquilo que são fundamentos para o Islão e para o ocidente de matriz cristã. E o que nos motiva é sobretudo a tentativa, não de chegarmos a conclusões onde tudo se explique de A a Z, mas, pelo menos, de abrirmos ao outro - ao que nos é estranho - um território da compreensão. Compreendê-lo e convidá-lo, se possível - ao outro - a escutar-nos. Em termos práticos, perguntará o leitor mais impaciente, mas o que é que, afinal, contém este livro? Nós respondemos: numa primeira parte, estabeleceremos as diferenças entre os fins anunciados em ambas as religiões. Numa segunda parte, analisaremos sobretudo o modo como as ortodoxias - a cristã e a islâmica - se posicionaram face à imensa produção profética que, muito antes da modernidade ocidental, sucedeu à época de ouro das revelações. Por fim, e na sequência da observação desta série de contrastes entre ambos os campos civilizacionais, tentaremos descrever a visão do presente criada secularmente no mundo islâmico, na sua relação com os princípios, ou com os fundamentos originais da revelação de Maomé (assim como das tradições que lhe são atribuídas). Esperamos, portanto, que este breve livro contribua para superar o nível de preconceito e de mal-entendido canónico que tradicionalmente tem minado as relações entre o mundo islâmico e o ocidente cristão.